O Brasil não precisa desmatar a floresta amazônica para expandir o setor da agricultura. Adotando apenas quatro estratégias, o país poderia reduzir o desmatamento enquanto aumenta a produção agrícola, sugeriu artigo de pesquisadores de universidades do Brasil, Estados Unidos e Suécia.
Ao mesmo tempo, o país recuperaria sua liderança internacional na gestão climática e dos recursos naturais.
Segundo o artigo, o Brasil atravessou uma profunda alteração no setor agropecuário nos últimos 50 anos. O país importava mais produtos alimentares do que exportava na década de 1970, apresentando déficit no comércio internacional.
Após um plano de longo prazo elaborado e implementado pelo governo brasileiro, incluindo, entre outros, a instituição de subsídios, a criação da Embrapa, ou a construção de infraestrutura de transporte, o cenário passou a se alterar.
A combinação de vontade política, planejamento de longo prazo do Estado, e bilhões de subsídios e incentivos, levou o Brasil a se tornar uma potência agrícola. O setor responde atualmente por mais de 20% do PIB nacional. O país consiste em um dos principais exportadores de produtos agrícolas, como soja, açúcar, café e proteína animal.
Todavia, o custo da revolução agrícola brasileira se deu em parte com um alto custo para a Amazônia. De acordo com o artigo, entre 1985 a 2018 , aproximadamente 65 milhões de hectares na região foram convertidos em pastagens ou cultivo.
Nos estados da Amazônia legal, a produção de soja pulou de 1,7 para 40 milhões de toneladas e o rebanho bovino de 15 cerca de 86 milhões de animais. As consequências do desenvolvimento do setor foi acompanhada de efeitos distintos. Algumas regiões experimentaram benefícios sociais.
Em outras, o modelo de expansão da fronteira agrícola a partir do desmatamento dos ecossistemas naturais trouxe consigo desigualdade de renda, concentração de terras, violência rural, apropriação de terras e destruição ambiental.
Mas o desmatamento e a degradação ambiental da Amazônia se transformou em uma ameaça à própria produção agrícola, alertaram os pesquisadores. A continuidade do desmatamento contribui com o aquecimento global, além de provocar mudanças climáticas regionais e potencialmente em outros pontos do Brasil e do planeta.
Por exemplo, as modificações da floresta podem estar associadas a alterações em correntes atmosféricas que afetam o sudoeste do Rio Grande do Sul. O desmatamento faz parte do nexo entre água, energia e alimentos, e sua continuidade provocará interferências no Brasil e em outros países.
Uma combinação de políticas públicas provocou, entre 2004 e 2017, uma significativa queda na taxa de desmatamento anual da Amazônia. Diversas iniciativas internacionais foram voluntariamente implementadas por empresas para evitar produtos ligados ao desmatamento.
E mesmo frente à uma diminuição de mais de 70% na taxa de desmatamento, a produção de soja e carne bovina brasileira subiu significativamente no período. O setor agrícola do país poderia continuar a crescer sem causar mais desmatamento.
Falta ao país, no entanto, um planejamento de longo prazo que integre a agricultura nacional com a conservação do meio ambiente. De acordo com o estudo, as metas de crescimento do setor ainda se atrelam ao modelo de derrubada das florestas.
É uma visão de ganho e lucro em curto prazo, potencialmente prejudicando a atividade agrícola no futuro. E que parece fortalecida com o novo governo inaugurado em 2019. A Amazônia voltou a ocupar o noticiário internacional em função das queimadas e do desmatamento.
Para reverter o quadro do desmatamento, os pesquisadores propuseram um novo paradigma de desenvolvimento da Amazônia. Ele se basearia em quatro estratégias. A primeira é o fim da apropriação e especulação de terras públicas, conhecida popularmente como grilagem.
Na Amazônia, as terras públicas não designadas somam mais de 65 milhões de hectares. Invasores agem ilegalmente, desmatando e ocupando essas áreas públicas. O crime se consuma através da criação de títulos de propriedade e da exploração de brechas legais. Uma vez obtida a posse, os criminosos vendem as terras.
Para eliminar esse tipo de crime, o artigo propõe que as áreas públicas não designadas sejam transformadas em áreas protegidas. Dessa forma, a posse das terras estaria claramente definida, bem como o tipo de manejo e atividade econômica à qual ela seria destinada.
A segunda estratégia consistiria na redução do desmatamento em propriedades privadas. Considerando a legislação brasileira atual, o artigo estimou que aproximadamente 28 milhões de hectares de florestas se encontram em propriedades privadas, estando vulneráveis ao desmate legal desde que seguidos os procedimentos adequados.
Nesse caso, instrumentos econômicos de incentivo ou compensação aos proprietários rurais pela preservação da floresta poderiam minimizar o risco de desmatamento. Iniciativas do setor privado para estabelecer uma cadeia de suprimentos livre de desmatamento da Amazônia também contribuiria para manter a vegetação em pé nas propriedades privadas.
As metas de desenvolvimento do setor agrícola no Brasil poderia levar ao desmatamento de adicionais 12 milhões de hectares. A terceira estratégia visa, portanto, a promover o desenvolvimento da agropecuária a partir da intensificação da produtividade em terras de médio e largo porte.
Finalmente, em complemento à estratégia anterior, o artigo recomendou a melhoria das condições ambientais, econômicas e sociais do pequeno produtor rural. Em particular, através do fomento e da assistência técnica. Melhorar as condições de vida e produção da agricultura familiar evitaria o desmatamento nas pequenas propriedades.
O Brasil poderia alcançar suas metas de produção de alimentos ao mesmo tempo em que conserva a Amazônia. Resta saber se seria possível em um mundo que enfatiza o lucro imediato.
Mais informações: Stabile, Marcelo CC, et al. "Solving Brazil's land use puzzle: Increasing production and slowing Amazon deforestation." Land Use Policy (2019): 104362.
Imagem: figura 1 do estudo - gráfico das taxas de desmatamento na Amazônia (barra verde) e Cerrado (barra bege) e da produção de soja e carne entre 2001 e 2018.
Ao mesmo tempo, o país recuperaria sua liderança internacional na gestão climática e dos recursos naturais.
Segundo o artigo, o Brasil atravessou uma profunda alteração no setor agropecuário nos últimos 50 anos. O país importava mais produtos alimentares do que exportava na década de 1970, apresentando déficit no comércio internacional.
Após um plano de longo prazo elaborado e implementado pelo governo brasileiro, incluindo, entre outros, a instituição de subsídios, a criação da Embrapa, ou a construção de infraestrutura de transporte, o cenário passou a se alterar.
A combinação de vontade política, planejamento de longo prazo do Estado, e bilhões de subsídios e incentivos, levou o Brasil a se tornar uma potência agrícola. O setor responde atualmente por mais de 20% do PIB nacional. O país consiste em um dos principais exportadores de produtos agrícolas, como soja, açúcar, café e proteína animal.
Todavia, o custo da revolução agrícola brasileira se deu em parte com um alto custo para a Amazônia. De acordo com o artigo, entre 1985 a 2018 , aproximadamente 65 milhões de hectares na região foram convertidos em pastagens ou cultivo.
Nos estados da Amazônia legal, a produção de soja pulou de 1,7 para 40 milhões de toneladas e o rebanho bovino de 15 cerca de 86 milhões de animais. As consequências do desenvolvimento do setor foi acompanhada de efeitos distintos. Algumas regiões experimentaram benefícios sociais.
Em outras, o modelo de expansão da fronteira agrícola a partir do desmatamento dos ecossistemas naturais trouxe consigo desigualdade de renda, concentração de terras, violência rural, apropriação de terras e destruição ambiental.
Mas o desmatamento e a degradação ambiental da Amazônia se transformou em uma ameaça à própria produção agrícola, alertaram os pesquisadores. A continuidade do desmatamento contribui com o aquecimento global, além de provocar mudanças climáticas regionais e potencialmente em outros pontos do Brasil e do planeta.
Por exemplo, as modificações da floresta podem estar associadas a alterações em correntes atmosféricas que afetam o sudoeste do Rio Grande do Sul. O desmatamento faz parte do nexo entre água, energia e alimentos, e sua continuidade provocará interferências no Brasil e em outros países.
Uma combinação de políticas públicas provocou, entre 2004 e 2017, uma significativa queda na taxa de desmatamento anual da Amazônia. Diversas iniciativas internacionais foram voluntariamente implementadas por empresas para evitar produtos ligados ao desmatamento.
E mesmo frente à uma diminuição de mais de 70% na taxa de desmatamento, a produção de soja e carne bovina brasileira subiu significativamente no período. O setor agrícola do país poderia continuar a crescer sem causar mais desmatamento.
Falta ao país, no entanto, um planejamento de longo prazo que integre a agricultura nacional com a conservação do meio ambiente. De acordo com o estudo, as metas de crescimento do setor ainda se atrelam ao modelo de derrubada das florestas.
É uma visão de ganho e lucro em curto prazo, potencialmente prejudicando a atividade agrícola no futuro. E que parece fortalecida com o novo governo inaugurado em 2019. A Amazônia voltou a ocupar o noticiário internacional em função das queimadas e do desmatamento.
Para reverter o quadro do desmatamento, os pesquisadores propuseram um novo paradigma de desenvolvimento da Amazônia. Ele se basearia em quatro estratégias. A primeira é o fim da apropriação e especulação de terras públicas, conhecida popularmente como grilagem.
Na Amazônia, as terras públicas não designadas somam mais de 65 milhões de hectares. Invasores agem ilegalmente, desmatando e ocupando essas áreas públicas. O crime se consuma através da criação de títulos de propriedade e da exploração de brechas legais. Uma vez obtida a posse, os criminosos vendem as terras.
Para eliminar esse tipo de crime, o artigo propõe que as áreas públicas não designadas sejam transformadas em áreas protegidas. Dessa forma, a posse das terras estaria claramente definida, bem como o tipo de manejo e atividade econômica à qual ela seria destinada.
A segunda estratégia consistiria na redução do desmatamento em propriedades privadas. Considerando a legislação brasileira atual, o artigo estimou que aproximadamente 28 milhões de hectares de florestas se encontram em propriedades privadas, estando vulneráveis ao desmate legal desde que seguidos os procedimentos adequados.
Nesse caso, instrumentos econômicos de incentivo ou compensação aos proprietários rurais pela preservação da floresta poderiam minimizar o risco de desmatamento. Iniciativas do setor privado para estabelecer uma cadeia de suprimentos livre de desmatamento da Amazônia também contribuiria para manter a vegetação em pé nas propriedades privadas.
As metas de desenvolvimento do setor agrícola no Brasil poderia levar ao desmatamento de adicionais 12 milhões de hectares. A terceira estratégia visa, portanto, a promover o desenvolvimento da agropecuária a partir da intensificação da produtividade em terras de médio e largo porte.
Finalmente, em complemento à estratégia anterior, o artigo recomendou a melhoria das condições ambientais, econômicas e sociais do pequeno produtor rural. Em particular, através do fomento e da assistência técnica. Melhorar as condições de vida e produção da agricultura familiar evitaria o desmatamento nas pequenas propriedades.
O Brasil poderia alcançar suas metas de produção de alimentos ao mesmo tempo em que conserva a Amazônia. Resta saber se seria possível em um mundo que enfatiza o lucro imediato.
Mais informações: Stabile, Marcelo CC, et al. "Solving Brazil's land use puzzle: Increasing production and slowing Amazon deforestation." Land Use Policy (2019): 104362.
Imagem: figura 1 do estudo - gráfico das taxas de desmatamento na Amazônia (barra verde) e Cerrado (barra bege) e da produção de soja e carne entre 2001 e 2018.
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